Semana sim, semana não: paisagens, corpos e cotidianos entre um século

Como num salto com vara[1], esta exposição realiza um arco que conecta a energia que mobilizou o rompante do Modernismo brasileiro – nas décadas de 1920 e 1930 –, com diversas manifestações contemporâneas concentradas nestes primeiros anos da década de 2020. Inscrita nas atividades que referenciam o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, a mostra celebra aqueles três dias de fevereiro sem tomá-los como mito fundador intocável. Com base na justaposição e na contraposição de paisagens e corpos no contínuo da vida, propõe-se aqui um comentário singelo, mas que se abre para a profusão de autorias e para questionamentos e revisões urgentes nas pontas afiadas da produção artística contemporânea.

 

Entre distanciamentos e aproximações, quebras e continuidades, esta exposição reúne pulsões interessadas por exercitar com liberdade a síntese de nossa natureza – daquilo que nos cerca, nos contém e compõe. Nas fendas do tempo, conexões, confrontos e contrastes revelam-se e ganham relevo no modo como as questões humanas universais foram elaboradas nas efervescências daquele período e como o são concebidas sob o calor do agora. 

 

O título Semana sim, semana não cria um jogo de palavras ambíguo: se, por um lado, estampa a alcunha daquele que foi forjado como um dos maiores ícones culturais do imaginário brasileiro, por outro, num balanço entre ativação e negação, também a reverte a seu sentido mais prosaico: de uma passagem temporal corriqueira, um apanhado de dias, um recorte de transição em nosso cotidiano. Invoca, portanto, um movimento que pressupõe oposições ou dicotomias: acontecimentos e interrupções, memórias e esquecimentos, pregressos e atuais, 1922 e 2022. 

 

Ao afirmar e rejeitar esse referencial paradigmático, sinaliza sua dispersão num tempo ampliado, reforçando o entendimento das coisas como processo aberto, como fluxo corrente. Esse exercício ganha outros sentidos – conceituais e físicos – na medida em que a mostra toma espaço numa casa que já abrigou uma vida familiar, uma vida doméstica, cuja arquitetura se insere num espectro do pensamento moderno. No entanto, é uma casa que não deixa de trazer características muito próprias, que a destacam em meio a um modernismo paulista mais conhecido.

 

Diante de passados, presentes e futuros em disputa, propõe-se diálogos intensos – ora diretos, ora insólitos –, aspirando a contribuir para as reelaborações críticas do mundo de antes e de hoje, mobilizadas por dinâmicas sociais e programas estéticos que propõem rupturas com o que já não nos diz respeito e, sobretudo, se comprometem a maquinar muitos e novos modos de se viver.

Germano Dushá

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[1] Em alusão a um trecho do texto “Modernismo”, escrito por Mário de Andrade em 1940 e publicado no livro O Empalhador de Passarinhos (1944), no qual ele rebate certas críticas ao movimento que integrou, afirmando que alguns representantes das gerações mais novas seriam "verdadeiros recordistas do salto sem vara, (...) a se julgar inteiramente isentos de qualquer influência desse tão próximo passado”.

 

 

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