Além do moderno: Antonio Gonçalves Filho

A exposição “Além do Moderno” deve seu título a um livro que o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) escreveu em 1973, “Além do Apenas Moderno”. Nele, Freyre argumenta que as sociedades ocidentais experimentaram, dos anos 1960 em diante, uma transição para um tempo tríbio, isto é, marcado pela interdependência entre passado, presente e futuro.

Em outras palavras, antes mesmo de Stephen Hawking (1942-2018) desenvolver essa mesma teoria em seu livro “Uma Breve História do Tempo” (1988), levantando uma polêmica sobre a divisão arbitrária, a assimetria e a ilusão do tempo, Freyre já refletia sobre essas questões que ocuparam o genial físico britânico.

Para além da sociologia e da física quântica, o que esta exposição quer discutir é principalmente a reverberação de movimentos artísticos históricos, em particular o construtivismo, na pintura contemporânea brasileira. Para isso, “Além do Moderno” reúne três artistas ligados ao movimento neoconcreto carioca - Aluísio Carvão, Hélio Oiticica e Milton Dacosta, e quatro pintores contemporâneos - Cássio Michalany, morto recentemente, Eduardo Sued, Paulo Pasta e Rodrigo Castro.

Tal associação, longe de sugerir nostalgia, reconhece ser imperativo aceitar o tempo tríbio para criar a grande arte. É pouco provável que Hélio Oiticica tivesse conquistado a síntese de seus metaesquemas sem recorrer a uma histórica obra do neoplasticismo assinada por Mondrian (Composição número 3, 1917, hoje no acervo do Gemeentemuseum de Haia) que lida com o deslocamento espacial da figura do quadrado.

Igualmente, é difícil desvincular as cores de Paulo Pasta da tradição cromática pré-renascentista e do modernismo europeu, especialmente Matisse, assim como a pintura de Cássio Michalany do minimalismo norte-americano e do abstracionismo geométrico de Milton Dacosta. E, para finalizar, é impossível não associar Eduardo Sued à vertente construtiva dos neoconcretos, em especial a liberdade no uso da cor, lição que aprendeu com o neoconcretista de primeira hora Aluísio Carvão.

O diálogo desses artistas com a arquitetura e o design moderno está traduzido na mostra em importantes obras de arquitetos que ajudaram a construir um Brasil sintonizado com a modernidade internacional, do ucraniano Warchavchik (1896-1972), considerado o introdutor dessa escola na arquitetura brasileira, a Niemeyer (1907-2012), idealizador de Brasília, além de nomes como o próprio Zalszupin (1922-2020), Lasar Segall (1889-1957), Joaquim Tenreiro (1906-1992) , Oswaldo Bratke (1907-1997), Vilanova Artigas (1915-1985) e Jayme Fonseca Rodrigues (1905-1946).

 

Antonio Gonçalves Filho

curador

 

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