Tenreiro, contraponto construtivo: intuição, cor e geometria
Ana Avelar - Curadora
Joaquim Tenreiro é considerado um pioneiro do móvel moderno brasileiro. Seu domínio sobre a madeira é incontestável, bem como a reunião da sensibilidade, do rigor construtivo e do acabamento irrepreensível representados pelas suas facetas de artista, designer e artesão, respectivamente. São numerosos os comentadores de sua obra, particularmente a partir do design.
Nesta exposição, mobiliário, esculturas, pinturas, tapeçarias e relevos, além de croquis, realizados em diferentes períodos, habitam os espaços de viver da Casa Zalszupin, e, ao fazê-lo, lançam luz sobre outros possíveis prismas interpretativos acerca dessa produção. Destacam-se os relevos da década de 1970, cuja potência cromática e geometria oferecem ritmo à narrativa curatorial.
Por natureza, o relevo adere à arquitetura; é apêndice, ornato. São trabalhos de um Tenreiro artista visual, num período de abandono do design de mobiliário. Em madeira, ferro ou duratex, fitas e treliças – seus cheios e vazios, sombras e luzes –, apresentam-se a partir da repetição, mas operam pela diferença.
Coincidem temporalmente com a retomada das abstrações geométricas, no país e fora dele. Ex-concretistas recuperavam pesquisas geométricas, agora aliando-as a paletas cromáticas difundidas pela Pop Art, conversando com efeitos visuais da Op Art e estimulados pelas estruturas minimalistas, nem sempre cientes dessa informação. Nesse lugar estiveram Judith Lauand, Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Mauricio Nogueira Lima, Franz Weissmann, entre outros, trabalhando entre os anos 1970 e 1980.
Os relevos e esculturas abstratas de Tenreiro obtiveram destaque na crítica, que salientou a ordem construtiva dessa produção e seu labor histórico. Costuras analíticas associaram as formas sinuosas àquelas de igrejas barrocas, remetendo-as ainda aos entalhes em madeira dos altares de herança portuguesa.
Vinda de um fazer intelectualizado pela própria prática, a produção de Tenreiro resulta de uma relação com a história e com o ambiente artístico local que o acolhe. Como os móveis de um designer que não adere à serialização de partido industrial – a poltrona leve, a cadeira de três pés --, seus relevos guardam uma geometria intuitiva que subverte a rigidez de um sistema. Constituem, assim, um contraponto incômodo a uma concepção construtiva mecanicista. São únicos, singulares, escultóricos.
Arte, Design e Modernidade: A síntese de Joaquim Tenreiro
Jayme Vargas – Curador
Joaquim Tenreiro nasceu em 1906, na pequena cidade de Melo, situada na região da Serra da Estrela, ao norte de Portugal.
Filho e neto de habilidosos carpinteiros, na infância teve contato com os trabalhos em madeira que dominaria com rara maestria em sua carreira de artista plástico e criador de móveis.
Após passar curtos períodos no Brasil com a família, Tenreiro se estabeleceu definitivamente no país com cerca de 20 anos de idade, fixando residência no Rio de Janeiro.
No início da década de 1930, trabalhando como marceneiro e sem recursos materiais para seguir uma formação acadêmica, Tenreiro frequentou cursos de desenho técnico e participou do Núcleo Bernadelli, um grupo composto por jovens artistas que procuravam se distanciar das práticas artísticas de matriz acadêmica que eram prevalentes naquele momento.
A sua qualificação como desenhista técnico e o conhecimento da marcenaria levaram Tenreiro a trabalhar como projetista em conceituadas empresas de mobiliário como a Laubisch & Hirth.
Neste período, seguindo as demandas de seus empregadores, ele desenhou sobretudo móveis de feição eclética e historicista que recriavam ou faziam releituras de variados estilos do passado.
Assim, a formação de Tenreiro incorporou a tradição do artesanato, o ensino técnico e artístico e o aprendizado gerado a partir do convívio com profissionais experientes e qualificados. nas empresas em que trabalhou antes de iniciar o seu percurso individual de artista e designer.
Tenreiro situa o início da sua trajetória como autor de mobiliário com a criação da Poltrona Leve no ano de 1942.
A Poltrona Leve já revelava as características que iriam definir a sua produção de mobília: Uma clara opção pela linguagem moderna, permeada pelas especificidades de sua formação, e a intenção trazer ao móvel uma singularidade brasileira.
Apenas a partir do final da década de 1960 Tenreiro pôde se dedicar integralmente a criação artística, que ficara em segundo plano frente a atividade de designer.
Surge então uma notável produção escultórica que evidencia uma interpretação única e particular da arte de raiz geométrica e abstrata, e que resume a síntese exemplar de Tenreiro entre uma trajetória diversa e complexa e o seu tempo histórico.